Queima do Judas

MALTA AMIGA, CARPIDEIRAS, COMPANHEIROS, CONTERRÂNEOS OU SIMPLESMENTE OLHEIROS SINTO-ME INCOMODADO, TRISTE, MAGOADO AO ANUNCIAR ESTE INFELIZ E TÃO ESPERADO ACONTECIMENTO.
AO OLHAR PARA ESTE ESTAFERMO, SUA SOFRIDA E APETECÍVEL MULHER COM O CORAÇÃO CHEIO DE SATISFAÇÃO E DADA A NOSSA AMIZADE É JUSTO FALAR UM POUCO DELE. E COMO O JUDAS ERA UM POETA COMEÇO COM ESTES VERSOS:

QUE TRISTE DESTINO O TEU
QUE AZAR, QUE COMPAIXÃO
ESTÁ O ANO A COMEÇAR
E TU, ESTICADINHO NESSE CAIXÃO

BEM TE DIZIA EU, Ò JUDAS
TEM CALMA, NÃO EXAGERES
TU ABUSAS, ÉS UM LAMBÃO,
UM CABEÇA DE PALITO, UM BANDALHO
DE REPENTE TU DEFINHAS
E LÁ VAI TUDO P’RO CARALHO

ACABA A NOSSA ALDEIA DE VESTIR-SE DE LUTO GERAL, DE UNIR-SE NESTE LARGO PARA ARRASTAR EM GRITOS DE DOR, O JUDAS, ATÉ ÀS PROFUNDEZAS DO INFERNO.
TANTOS GRITOS E AIS E LUTO POR TÃO POUCO.

SIM, O DEFUNTO QUE ERA UM FARSOLA, UM LAMBE-BOTAS E OUTRAS COISAS PIORES, UM VIRA-COPOS, QUE O DIGA O TIAGO, ARDILOSO E FANFARRÃO AQUI ESTÁ PARA ALEGRIA GERAL, ESTICADINHO, SEM RESPEITO E SEM TESÃO.
OH! MORTE NEGRA! OH! PORCA DE VIDA.
RAZÃO TINHA A TUA MEGERA QUANDO DIZIA:

O MEU JUDAS É UM TORTO
DE PERNAS É UM CANHOTO
DE OLHOS UM RAMELOSO
E DE BOCA UM BABADO

COM O TEMPO TORNOU-SE UMA FIGURA NOTÁVEL E ÚNICA. OLHAR MANHOSO, A BARBA SEMEADA EM DIA DE VENTO E ESPETADA À SOVELA, DENTES CAREADOS, AMARELOS E A CAIREM-LHE DE PODRES, OS LÁBIOS NEGROS DO TABACO, CHEIRANDO A MERDA SECA.
ENFIM, UM PORCO. NÃO SE PODIA ANDAR COM ELE. MANDAVA CADA MORTEIRO A CHEIRAR A GRELOS MAL COZIDOS, QUE ATÉ AGONIAVA E FICAVA FELIZ A ARREGANHAR A TACHA COM BENTAS DE PENICO ROTO.
NÃO FALAVA MUITO. FALAVA COM OS OLHOS, MAROTOS E RAMELOSOS QUE CONVIDAVAM À VOLÚPIA E AO PRAZER.
ATÉ AS FRAGAS E OS CASTANHEIROS DA TURRA DESATAVAM À GARGALHADA QUANDO ELE COM UMA BOA GAJA, ENCARRASPADO, COM UM GRÃO NA ASA, LIMPAVA O SUOR DE TANTO SE ESFORÇAR, NÃO CONSEGUINDO CHEGAR AO CÉU. “RAIOS PARTAM A POUCA SORTE” – LAMENTAVA-SE
TERMINO PORQUE ESTOU EXAUSTA. NADA DISSE EM COMPARAÇÃO COM O MUITO QUE TINHA A DIZER. MAS NÃO QUERO ABUSAR DA VOSSA PACIÊNCIA.
SE CALHAR FALEI DE MAIS MAS, NÃO QUERO SER ACUSADA DE FALTA DE JUSTIÇA, DE GENEROSIDADE E DE DIGNIDADE PARA COM ESTE ILUSTRE FINADO.
NA TUA LÁPIDE E PARA QUE NINGUÉM TE ESQUEÇA, FICARÁ ESTE VERSO:

VAI MISERO CABRÃO FEDORENTO
DESPOJO INÚTIL, DESINFELIZ, FOLGAZÃO
TODOS OS DIABOS SÃO PARECIDOS
ARDE LENTAMENTE NO INFERNO
ONDE OS CABRÕES COMO TU ESTÃO

Lisete Gomes Ferreira